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Posfácio - Peter Schulz

   Não há universidade segura sem engajamento.

   A universidade é conhecida e discutida nos termos de suas missões, mais ou menos familiares para o grande público: o ensino, a pesquisa e a extensão. Essas missões são declaradas indissociáveis, mas essa indissociabilidade é uma constante construção. Assim como as três missões, pois elas são diferentes, dependendo do tempo e do lugar onde cada universidade está. No entanto, esse conjunto de atributos ou funções não é, ou não deveria ser, suficiente para definir uma universidade. Há algo mais.
   Ernest Boyer escreveu um longo relatório sobre as universidades norte-americanas nos idos de 1990. Intitulado “Scholarship revisitada – prioridades do corpo docente”, não havendo uma boa tradução para “scholarship” nesse contexto, que em uma tradução pragmática poderia ser “missão”. Nesse livro, Boyer, revê as missões da universidade, renomeando as três tradicionais como ensino, descoberta e aplicação; detectando e acrescentando mais uma, que ele chamou de integração. Nas suas palavras o sentido da integração é “estabelecer conexões entre as disciplinas, posicionando as especialidades em um contexto mais amplo, iluminando os dados de forma reveladora, frequentemente pensando também nos não especialistas.” Atenção especial para o pensar também nos não especialistas. Boyer, no entanto, apesar da sua proposta de ampliação do horizonte, percebeu depois uma urgência, discutida em um artigo póstumo de 1996: a missão do engajamento (Scholarship of engagement). Sua percepção, já naquele tempo e lugar, era de que o acadêmico passou a ser cada vez mais o recipiente de um cargo na universidade, escrevendo em um determinado estilo voltado apenas aos seus pares, participando cada vez menos de um discurso público mais amplo. Com isso, a contribuição da universidade estaria se afastando das grandes questões da sociedade. Portanto, a missão do engajamento é necessária para conectar os fabulosos recursos da universidade aos mais prementes problemas sociais e éticos, tornando-a espaço de ação, bem como propiciando um clima profícuo para a comunicação entre as culturas dentro e fora da academia, melhorando a qualidade de vida para todos.
   A pandemia de Covid-19 levou a universidade a praticar essa quarta e a quinta missões com intensidade talvez inédita. É o que eu observei tão de perto na Unicamp, onde, como seu Secretário de Comunicação, fui observador participante privilegiado. A instituição precisou promover suas cinco missões, sem consciência clara das duas extras, que não figuram no seu estatuto. Mas nada seria possível sem o engajamento de seus membros. Luiz Carlos Dias é para mim o exemplo máximo desse tão necessário engajamento e fico feliz com o privilégio de escrever um posfácio para este seu livro. Sua entrega foi total na missão de combater a desinformação, veiculada criminosamente durante a pandemia de Covid-19, bem como as outras ações e omissões impudentes, buscando esclarecer a população de múltiplos modos e em múltiplas plataformas. Uma entrega, que além de urgente e necessária, é inspiradora.
   Todo esse intenso trabalho ele compila agora em livro, que, como a trajetória descrita nele, é necessário e inspirador para que nunca deixemos de lembrar o que não deve se repetir, jamais. E que é preciso e possível lutar. O que o Luiz disse em texto, vídeo e áudio durante essa luta foi sempre pautado pelo estrito respeito à ciência, que ele levava ao público “pensando sempre nos não especialistas”, como Boyer preconizava. Luiz conectou como poucos os fabulosos recursos da ciência para a defesa da vida, necessidade absoluta, como Boyer desejava há quase trinta anos.

   O livro resgata a história de seu autor, inserida no grande terror coletivo que vivenciamos. E isso o autor fez com um ingrediente a mais, que não pode se desligar da ciência, lembrando novamente as palavras do grande pedagogo norte-americano: “não apenas os resultados, mas o processo e especialmente a paixão” importam. Afinal, sem paixão não há engajamento. Não vou discorrer sobre trechos do livro, a apresentação escrita pelo autor dá conta disso, bem como os prefácios. Este aqui é um posfácio destacando o que Luiz manifesta claramente: a herança do terror ainda vive e é absolutamente necessário que a luta continue. O fim da pandemia não decretou o fim dos sabotadores da vida. Que o livro inspire novos Luizes!

Professor Dr. Peter Schulz

 Físico. Professor titular da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira

Posfácio - Rosana Richtmann

   Ao finalizar esta leitura, com uma riqueza enorme de fatos vivenciados por todos nós, com uma cronologia cirúrgica do que assistimos durante a pandemia de Covid-19, e principalmente com uma análise realista e crítica do perigo da infodemia, eu como médica infectologista e comunicadora de saúde, me senti representada em várias fases desta história relatada pelo Luiz.

   A pandemia de Covid-19 trouxe consigo não apenas desafios de saúde pública, mas também uma enxurrada de informações falsas e enganosas, conhecidas como fake news. Nunca antes na história moderna tivemos acesso tão rápido e amplo a informações, mas, infelizmente, também nunca havíamos lidado com uma infodemia tão perigosa. As consequências das fake news durante esta pandemia foram devastadoras, levando a decisões equivocadas, desinformação generalizada e, em última instância, colocando vidas em risco. Eu vivenciei algumas outras epidemias, como a da AIDS e nem de perto tivemos tanto impacto negativo vindo de “profissionais” que só tinham um objetivo: atrapalhar e confundir a população vulnerável, para seu próprio “sucesso”...e muitos tiveram êxito nesta missão tenebrosa. É crucial compreender o papel que as fake news desempenharam ao longo desta crise de saúde global, e como podemos aprender com essa experiência para nos prepararmos melhor no futuro.

   Neste pósfácio, refletimos sobre os desafios enfrentados, os danos causados e as lições aprendidas. A batalha contra a desinformação é tão vital quanto a luta contra a própria doença, e devemos permanecer vigilantes, questionadores e comprometidos com a verdade em meio ao tumulto das fake news. "Mas, temos que ter um olhar para o futuro, e levar um importante legado destes tempos difíceis. A pandemia de Covid-19 serviu como um lembrete duradouro do impacto devastador que as doenças infecciosas podem ter em escala global. À medida que olhamos para trás na história das epidemias, vemos padrões recorrentes de desafios enfrentados e lições aprendidas. Desde a Peste Negra até a Gripe Espanhola, cada pandemia deixou sua marca na humanidade, moldando nossa compreensão da saúde pública, da ciência médica e da resiliência coletiva. A covid-19 não foi exceção. Esta pandemia testou os limites de nossos sistemas de saúde, nossa prontidão e nossa capacidade de resposta (nem sempre da forma que gostaríamos...). Revelou disparidades sociais e econômicas profundamente enraizadas, destacando a importância da equidade na saúde. No entanto, também nos ensinou lições valiosas sobre solidariedade, inovação e adaptação, muita adaptação!

   À medida que avançamos para um futuro pós-pandêmico, é fundamental que incorporemos essas lições em nossos sistemas e práticas. Devemos permanecer vigilantes, investir em pesquisa e preparação, e construir sociedades mais resilientes e inclusivas. A história das epidemias nos ensina que a colaboração global e a ação coordenada são essenciais para enfrentar desafios de saúde pública em escala mundial. Que a pandemia de covid-19 nos lembre não apenas das adversidades que enfrentamos, mas também das oportunidades de crescimento, mudança e renovação que surgem em meio à crise. Que possamos honrar aqueles que foram afetados aprendendo com o passado e construindo um futuro mais saudável e seguro para todos. Assim como o papel do Luiz durante a pandemia, onde o “Não há mundo seguro sem ciência” falou mais alto, eu e muitos outros profissionais iremos estar do único lado que resolve: a verdade da ciência e a ciência da verdade!

 

Rosana Richtmann

Dra. Rosana Richtmann
Médica infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Diretora do Comitê de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia
Coordenadora da Infectologia do Grupo Santa Joana
Membro do CTAI – Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização – PNI – Ministério da Saúde

Posfácio - Soraya S. Smaili

   Foi com alegria e muita honra que recebi o convite do professor Luiz Carlos Dias para escrever o posfácio de Não há mundo seguro sem ciência – título convidativo e com o qual concordo totalmente. Redigir um posfácio é vantajoso, pois nos dá a oportunidade de discorrer sobre todos os capítulos e os pontos abordados pelo autor, ao mesmo tempo que aumenta a nossa responsabilidade, pois agora sabemos o seu conteúdo – e o assunto destas páginas é de grande relevância.

 

    Para não correr o risco de ser repetitiva, resolvi falar do que me chamou a atenção neste livro. Inevitavelmente, o momento me faz retornar a lembranças duras, que precisam se manter vivas, embora hoje tudo esteja caminhando para um esquecimento coletivo. Torna-se imperativo, portanto, que tenhamos obras como esta, as quais nos permitam restar o que passamos, que nos auxiliem a registrar a história da pandemia e das pessoas que viveram o enfrentamento da maior crise sanitária de nosso tempo, além de nos ajudarem a nunca nos esquecermos das milhares de vidas perdidas.

 

   Não há mundo seguro sem ciência cumpriu esse papel de maneira exemplar, pois voltou-se a um dos pontos aos quais o professor Luiz mais se dedicou durante a pandemia: o enfrentamento da desinformação intencional. Com energia, o autor falou do trabalho desenvolvido por ele e que tanto contribuiu para a compreensão do que era a covid-19, uma doença devastadora que assolou o mundo. Com coragem, tratou de desnudar – por meio de argumentos e evidências científicas – o movimento antivacinas e que negava a pandemia, o qual contou com médicos negacionistas e grupos que lucraram vendendo a prevenção e a cura da covid-19 pelo uso de cloroquina e ivermectina. Pacientemente, Luiz Carlos nos explicou que não há evidências de que estes fármacos têm utilidade contra o coronavírus, ao mesmo tempo que nos elucidou, de maneira didática, a falácia daqueles que começaram a incutir a ideia de desvacinação. Na pandemia, esse grupo foi agressivo e fez uso de metodologias de criação e disseminação de notícias em rede, além de sofisticados sistemas de aceleração de algoritmos. Mesmo assim, a onda pró-ciência e os trabalhos de elucidação e divulgação de dados científicos, contribuíram para o combate à desinformação de maneira eficiente naquele momento. No entanto, esse tipo de movimento continua atuando e hoje, surpreendentemente, sabemos que voltou a ganhar espaço, o que torna estas páginas ainda mais importantes. Nesse sentido, Luiz Carlos nos mostra como não podemos cair na armadilha do esquecimento ou da minimização; ao contrário, devemos continuar nosso trabalho como cientistas e divulgadores, em contato permanente com a sociedade, pois está claro que teremos que conviver com os artífices da desinformação.


   Estes capítulos comprovam que o exemplo do professor Luiz Carlos deve ser continuado e reproduzido. Como excelente cientista que é, o autor fortaleceu a ideia de que temos de fazer uso da ciência e dos preceitos científicos para enfrentar qualquer desafio, aplicando o método, estudando e aprimorando nossos conhecimentos para mostrar caminhos e propor soluções. Assim foi com o seu trabalho de divulgação e ao fazer parte da Força-Tarefa da Unicamp, acompanhando ano a ano o desenrolar da pandemia. E, tal qual a Unicamp, precisamos relembrar e saudar o quanto nossas universidades – sobretudo as públicas – foram fundamentais no período pandêmico, muitas vezes sem as condições adequadas e sob ataque de alguns governantes. Importante salientar como os cientistas e pesquisadores de nossas instituições atuaram em tantas frentes diversas para adquirir conhecimento acerca do SARS-CoV-2 e de como combatê-lo a fim de que pudéssemos salvar vidas.

 

   No início de 2020, nós jamais iríamos imaginar o que passaríamos nos quatro anos subsequentes, em especial nos dois primeiros. E este livro abordou, de modo brilhante, como o surgimento de um novo coronavírus em 2019 impactou a nossa sociedade e nos afetou profundamente. A corrida dos cientistas foi grande; houve um esforço coletivo e vigoroso, apesar de todas as circunstâncias políticas de um governo federal que desqualificou a ciência e as universidades, fazendo pouco caso da pandemia. Hoje, sabemos que parte das mortes em decorrência da covid-19 poderia ter sido evitada: se as vacinas tivessem sido adquiridas ainda em 2020; se as vacinas brasileiras tivessem obtido mais apoio para acelerar suas pesquisas; se o Programa Nacional de Imunizações (PNI) não tivesse sido desmontado; se as máscaras não tivessem sido achincalhadas; se as pessoas mais vulneráveis tivessem recebido maior amparo social.

 

   Passados quatro anos, cá estamos nós, aprendendo todos os dias e enfrentando os impactos deixados pelo SARS-CoV-2, sua evolução, a queda na expectativa de vida em 204 países – como anunciou o Global Burden of Disease (GBD) no início de 2024 –, bem como os efeitos das sequelas da covid-19 ou covid longa.bf

 

   Não há Mundo seguro sem Ciência é um relato vigoroso desses anos que marcarão para sempre nossas gerações, assim como mudaram o século XXI. Conhecimentos foram adquiridos, espaços foram conquistados, mas ainda há muito que realizar e refletir. Os desafios que vivemos não foram paralisantes; ao contrário, nos fizeram agir, tomar decisões, construir processos e criar saídas e coisas novas. E foi assim que o professor Luiz Carlos Dias conduziu esse período e realizou o seu trabalho, transformando realidades e convidando à reflexão para enfrentar os efeitos da pandemia, preparar as futuras gerações e deixar um conhecimento que continuará público e que poderá ser utilizado por muitos. A ciência para a superação.

bf GBD 2021 DEMOGRAPHICS COLLABORATORS. Global age-sex-specific mortality, life expectancy, and population estimates in 204 countries and territories and 811 subnational locations, 1950–2021, and the impact of the COVID-19 pandemic: a comprehensive demographic analysis for the Global Burden of Disease Study 2021. The Lancet, 11 mar. 2024. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(24)00476-8/fulltext?utm_source=substack&utm_medium=e-mail. Acesso em: 2 abr. 2024.

Professora Dra. Soraya S. Smaili
Professora titular da Escola Paulista de Medicina (Unifesp)
Reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) (2013-2021)
Coordenadora do Centro de Estudos SoU_CIÊNCIA

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